terça-feira, novembro 05, 2013

Mangas suculentas.

Ia à casa de meu pai, num domingo, já atrasado para o almoço, que naquela hora devia estar servido na mesa, e eu há uma hora e meia do meu destino. Papai não ligou, esperou que eu aparecesse. Então mamãe me deixou até a parada mais acessível e segui caminho sozinho em diante. O primeiro passo, e mais interessante, foi chegar a parada de ônibus recebido por vendavais de mangas que despencavam em queda livre sob o mormaço do chão da cidade grande (nem tanto assim). Encontrei, depois de um tempo procurando saber nas placas se meu ônibus parava mesmo ali, um lugar para me comportar enquanto meu ônibus de domingo se atrasava como de costume. Meu momento de deslumbramento começou quando cruzei meus braços impaciente e vi, ou por vezes somente ouvi, mangas caindo sem parar. Ventava em cima daquela cidade abafada, e mangas caíam, feito crianças que nascem no mundo sem nenhum amparo, e quando percebem, estão maltratadas e podres sob as valas da cidade. Aquelas mangueiras jorravam aos montes, pra quem quisesse só vir apreciar a chuva, ou degustar um de seus mais doces frutos. E lá encontrava-se o restante da cadeia alimentar, sempre prosseguindo. Um homem maltrapilho que não se apresentava, com barba grande e manchada, calçava um sapato rastejante, mais parecia ter achado dentro de uma vala. Ou melhor, ele todo parecia ter saído de uma vala, seu cheiro era asqueroso. Este homem devorava as mangas feito um carro de lixo armazenando todo resíduo descartado do bairro com suas trações em prensas. Esfomeado, engolia-as com aproveitamento admirável, deixava apenas os caroços gigantes de mangas monstruosamente pomposas. Havia alguns pedestres que tentavam concorrer atrás de algumas mangas bonitas, antes que elas chegassem à vala e nada mais valessem. Mas com seus sapatos gastos ele corria a frente e alcançava as mangas antes de qualquer um. A probabilidade matemática desse homem recolher todas as mangas era inválida, no cálculo, não medem a força que a fome proporciona dentro de um homem, portanto, é impossível medi-la. Aquele homem disputava com mulheres, senhoras, senhores, seja quem fosse, ninguém ali era tão animal quanto aquele pobre homem, que recebia as mangas em seu estômago como uma droga. Depois de tê-las comido todas, respirou fundo, deitou na calçada, todos haviam ido para suas casas, ele dormiu. Quando voltei da casa de meu pai, já de noite, chovendo, meu ônibus passou pela mesma rua, e lá estava ele, deitado debaixo da coberta de uma loja de ferragens, levava consigo algumas mangas na sacola debaixo da cabeça, para uma eventual fome, quem sabe? Mas me perguntei se este homem sonhava, se conseguia. Tão exposto a tudo, e dormia tão profundamente, como se o sono lhe fosse a necessidade incrível de fugir da realidade. Olhei pra cima da loja, haviam prédios, meu ônibus estava parado no semáforo, vi pessoas sonâmbulas, mortas, insones com seus comprimidos na sacada, precisando do sono que o pobre homem havia de sobra, e que jamais poderia os vender. Porque não, não são todas as coisas no mundo que se vendem.

Um comentário:

  1. Histórias adoráveis. Todas reais? Encontrei-o através do weheartit, e cá estou apaixonada pelo teu detalhismo descritivo e doce senso observador. Parabéns, você escrever lindamente - espero que não tenha abandonado este canto de cá.

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Belém, Pará, Brazil
Fui aparelhado para gostar de pássaros.